quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Inteligência que dá medo na gente


Computadores 'perigosos' são só fantasias sci-fi. Perigo, no duro, é o roubo de dados pessoais em celulares

Sérgio Augusto O Estado de S. Paulo
Quem não tem medo da inteligência artificial? Todo mundo tem, sem exclusão dos tecnólatras. Se nem os apóstolos da utopia tecnológica descartam a hipótese de uma eventual entropia cibernética, acreditar no potencial maligno das "máquinas pensantes" não é um atestado de ignorância. Muitos de nós, contudo, exageram, cultivando paranoias indignas de uma inteligência natural astuciada pela sensatez.

Circulou há pouco na internet a espaventosa notícia de que um robô carnívoro seria em breve fabricado, a pedido do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, para ajudar na faxina dos campos de batalha, fazendo dos soldados mortos o seu único combustível. Era um hoax, um ciberlogro, passado adiante como informação confiável até por sites e blogs tecnológicos, vítimas da estupidez de um jornalista que a esta altura já deve ter descoberto que "biomassa" não é sinônimo de carne humana.

Notícias como essa abundam na internet, alimentando o que os gringos apelidaram de grey goo scare. Grey é cinza; goo é gosma; e scare é medo. A expressão surgiu há 13 anos no meio das especulações de Eric K. Drexler, em Engines of Creation, e é provável que tenha sido sugerida pela viscosa e escura pestilência de A Bolha Assassina, clássico trash da ficção científica cinematográfica produzido em 1958. Acreditar que nanomáquinas superinteligentes e autorreplicadas ao infinito dominarão o planeta no futuro é um caso típico de grey goo scare.

Para sustar pânicos injustificados e evitar surpresas desagradáveis, o cientista e pesquisador da Microsoft Eric Horvitz presidiu, em fevereiro, uma conferência fechada da Associação para o Avanço da Inteligência Artificial, cujas conclusões preliminares só 18 dias atrás chegaram ao conhecimento do resto da comunidade científica e da mídia. Sumidades em inteligência artificial, cientistas em computação, roboticistas - foi essa a fauna reunida por Horvitz em Asilomar, na Península de Monterey, norte da Califórnia. Núcleo das discussões: os avanços da inteligência artificial e seus impactos potenciais na vida de todos nós.

Houve um consenso sobre a necessidade de se impor limites às pesquisas que resultem na perda do controle humano sobre sistemas computacionais. É preciso conter qualquer avanço tecnológico que possa gerar problemas de ordem ética, disputas legais e desequilíbrios socioeconômicos, criar profundas divisões sociais ou mesmo pôr em risco a sobrevivência do Homo sapiens. Nenhum esforço deve ser economizado para que o uso produtivo da tecnologia prevaleça sempre nos laboratórios e computadores dos cientistas comprometidos com o progresso do que, há 44 anos, o matemático I. J. Good batizou, candidamente, de "explosão de inteligência".

Caso máquinas inteligentes e sistemas de inteligência artificial transgridam a Primeira Lei da Robótica, causando danos ao ser humano, os cientistas que os programaram deverão ser responsabilizados criminalmente, reivindicou Horvitz. As Leis da Robótica (três ao todo) foram criadas no início dos anos 1940 pelo mestre da ficção científica Isaac Asimov. A segunda estipula que os robôs são obrigados a obedecer cegamente ao ser humano, desde que não infrinjam a primeira lei. A terceira determina que os robôs só deixem de proteger sua existência se ela conflitar com as duas primeiras leis.

Computadores conscientes, sensíveis e indômitos? Predadores teleguiados? Androides capazes de replicar qualquer ação humana? Pura gosma cinzenta, fantasias sci-fi, delírios ciberpunks. Perigo, no duro, correm os usuários de celulares inteligentes, que podem ter seus dados pessoais roubados com a ajuda de um avançado sistema de simulação de voz - entre outros danos ainda mais assustadores.

Tranquiliza saber que estamos mais próximos de ter a nosso dispor um robô como o prestativo e simpático Robby do filme O Planeta Proibido do que similar ao diabólico, autônomo e incontrolável HAL de 2001: Uma Odisséia no Espaço.

Os que já existem na vida real são autômatos prodigiosos - que andam, gesticulam, falam, até dançam, montam carros e eletrodomésticos, ajudam na limpeza doméstica, substituem recepcionistas de carne e osso, reforçam a segurança de uma casa, auxiliam salva-vidas em praias e piscinas, analisam o tráfego e escolhem o caminho mais desimpedido, distraem crianças e cuidam de velhinhos - e nunca transgrediram as leis da robótica. Em matéria de lisura e fidelidade, equiparam-se ao Gort de O Dia em que Terra Parou, que obedecia cegamente a quem lhe ordenasse "Klaatu barada nikto".

Enquanto a elite tecnológica trocava chips em Asilomar, a proverbial robofilia japonesa (o Japão tem a maior frota de operários mecanizados do mundo) sofria mais um duro golpe da recessão em curso. Não é de hoje que legiões de robôs, os operários padrões da indústria local (são eficientíssimos, não pedem aumento, não fazem greve, não conversam durante o expediente, não faltam ao serviço), vêm perdendo emprego, mas os números da economia no segundo trimestre deste ano ampliaram ainda mais o fosso.

Os robôs se tornaram caros e sem muita serventia. Em 2005, havia mais de 370 mil trabalhando na indústria, 32 para cada grupo de 1.000 empregados humanos. A situação só não se inverteu porque a economia japonesa, 40% menos produtiva, não está abrindo vagas para nenhum tipo de mão de obra. Em oito meses, a exportação de robôs caiu 92%. Várias empresas especializadas na sua fabricação ou pediram falência, como a Systec Akazawa, ou cancelaram produtos, como a Sony, que tirou de linha um cibercão chamado Aibo, grande sucesso junto à petizada quando todos os pais japoneses tinham dinheiro para comprar um, até com coleira de diamante.



Fonte: Estadao 

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