"Financial Times" mapeia tendências de consumo e de gestão diante de um cenário que concilia o pós-crise a novas tecnologias
Daniel Mihailescu - 2.mar.10/France Presse
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Visitantes da feira de
tecnologia CeBIT, em Hannover, na Alemanha, são retratados em tela que
detecta, em tempo real, gênero, idade e humor dos passantes
A CRISE econômica que se alastrou pelo mundo no fim
de 2008 e causou transtornos só superados, nos últimos cem anos, pelo
crash de 1929 pôs em xeque dogmas de gestão. A obsessão pelo lucro,
simbolizada por empresas
como o Lehman Brothers, o uso insustentável de recursos naturais,
materiais e humanos e mesmo a noção de que é preciso esconder os
fracassos de uma companhia mostraram-se técnicas
ineficientes, quando não prejudiciais, de administração.
Paralelamente, novos comportamentos, associados a tecnologias inovadoras nas áreas financeira, energética e computacional,
sinalizam transformações profundas na maneira de fazer negócios em todo o planeta.
Esses fenômenos, alguns dos quais já perceptíveis, foram mapeados por colunistas e repórteres do diário britânico "Financial
Times", que nestas páginas apresentam tendências que devem se
disseminar até o final da próxima década.
1 - Computação em céu aberto
Portáteis serão como supercomputadores
DO "FINANCIAL TIMES"
O assunto quente do setor de
tecnologia, nos últimos anos,
vem sendo a ascensão da "computação em nuvem". Mas o que
exatamente é esse novo desdobramento, e de que maneira influenciará as nossas vidas?
São necessárias duas coisas
para compreender a plataforma. A primeira se relaciona ao
poder de processamento e de
armazenagem de dados, que
vem se transferindo de máquinas individuais para grandes
centrais remotas de processamento de dados.
Isso permite que números
sejam processados em escala
industrial e que o poderio de
um supercomputador seja aplicado a tarefas cotidianas: analisar os padrões de tráfego de
uma cidade, por exemplo, e
prever onde surgirão congestionamentos.
A segunda parte se relaciona
aos bilhões de aparelhos pessoais inteligentes -por exemplo, netbooks e celulares inteligentes- capazes de se conectar
a esse recurso centralizado de
computação via internet. Isso
significa que indivíduos (e não
apenas empresas ou governos)
poderão tirar vantagem dessas
"nuvens" de informações.
Assim, para onde isso nos
conduz? Duas previsões gerais
surgem rapidamente. Uma é a
de que oferecer tanto poder de
processamento e armazenagem a baixo custo resultará em
novos avanços.
A ciência, por exemplo, poderia ser revolucionada, já que os
pesquisadores ganhariam acesso a montanhas inimagináveis
de dados e desenvolveriam maneiras de produzir referências
cruzadas entre as diferentes
disciplinas.
A segunda previsão é a de que
os aparelhos pessoais de computação se tornarão superinteligentes, à medida que puderem aproveitar a inteligência
da "nuvem". O Google já está
falando sobre adicionar tradução de voz instantânea aos recursos de seus celulares.
As grandes mudanças que esses avanços da computação representarão podem não estar
concluídas ao final da próxima
década, mas estarão a caminho.
RICHARD WATERS, chefe da sucursal de San Francisco
2 - Trabalhar por mais tempo
Aposentadoria dá lugar à gestão de empresas
DO "FINANCIAL TIMES"
A próxima década verá pessoas mais velhas trabalhando
por mais tempo. Não surpreende: além da elevação da idade
mínima de aposentadoria pelos
governos do Reino Unido e da
Grécia, as baixas taxas de juros
e a morte das aposentadorias
de valor fixo significam que
muita gente não terá dinheiro
bastante, aos 65 anos, para desfrutar de lazer nos anos de ocaso. Essas pessoas terão de trabalhar para bancar suas contas.
O que considero interessante
-e pode mudar o mundo dos
negócios- é o fato de que elas
talvez prefiram trabalhar por
conta própria. Um recente estudo conduzido pela seguradora Standard Life sugeriu que
um em cada seis britânicos dos
46 aos 65 anos planeja abrir um
negócio novo, em lugar de se
aposentar.
Isso representa sete vezes
mais potenciais empresários
do que na geração precedente
-e pode significar o surgimento de milhões de novas empresas no Reino Unido.
A experiência, os contatos e a
sabedoria dessas pessoas serão
suas armas secretas. Mas é
igualmente provável que elas
tenham mais tempo e dinheiro
a gastar do que a atual geração
de empresários. Hoje, a idade
típica em que uma pessoa abre
sua empresa fica entre os 30 e
os 45 anos. Um aspecto inconveniente desse fato é que, nessa
idade, as pessoas também costumam ter filhos pequenos e
hipotecas a pagar.
Os empresários mais velhos,
enquanto isso, estarão em muitos casos próximos de liquidar
essas responsabilidades, bem
como ávidos por encontrar maneiras de se manter em contato
com pessoas de todas as gerações, como clientes, parceiros,
fornecedores ou funcionários.
Prevejo que muitas companhias importantes serão criadas nos próximos
anos. A geração de mais de 50 anos bem pode se tornar a maior
responsável por acelerar a recuperação.
LUKE JOHNSON escreve uma coluna sobre empresários e dirige a Risk Capital Partners, uma empresa de capital privado
3 - A geração X chega ao topo
Após crise, geração X ganha espaço
DO "FINANCIAL TIMES"
No final dos anos 90, as
regras usuais de senioridade no trabalho não pareciam se aplicar aos trabalhadores na casa dos 20 e
começo dos 30 anos.
O boom da internet
transferiu poder a esses
jovens -a geração X- e
permitiu que seus líderes
enriquecessem.
Mas o estouro da bolha
da internet expôs a ilusão
e forçou os jovens a aceitar
papéis subalternos.
O fim do castigo, porém,
parece estar próximo. Hoje, com 30 ou 40 anos,
muitos dos membros da
geração X devem chegar
ao apogeu de seu poderio
profissional até 2020 -e
sua falta de ideologia pode
ser vantajosa diante dos
desafios modernos.
Mas há um novo grupo
que já tenta conquistar espaço. Confortáveis no uso
de tecnologias digitais, os
membros da geração Y
não gostam de hierarquias. A crise prejudicou
sua ascensão, mas a recuperação pode complicar a
retomada da geração X.
ADAM JONES, repórter especial de empresas
4 - Energia mais inteligente
Novas tecnologias racionalizam a geração e o uso da eletricidade
DO "FINANCIAL TIMES"
Já estamos vendo algumas
das maneiras pelas quais as
fontes de energia mudarão nos
próximos dez anos. Leitores inteligentes de eletricidade nos
EUA, por exemplo, oferecem
aos consumidores e às empresas de energia informações detalhadas sobre o seu uso e não
só contam com o apoio do presidente Barack Obama como
devem substituir os medidores
"burros" convencionais.
Isso significa que uma pessoa
em breve poderá saber quanta
energia está sendo usada em
sua casa e quanto dinheiro está
sendo gasto, por meio de uma
divisão aparelho a aparelho -o
que permitirá que a iluminação
e o aquecimento sejam ajustados para reduzir custos.
Eletrodomésticos inteligentes, enquanto isso, vão se comunicar com a rede elétrica.
Assim, uma secadora de roupas
pode se desligar nos horários
de pico (e tarifa mais elevada) e
ligar de novo quando o preço da
eletricidade for mais baixo. As
empresas de energia mesmo
poderiam interferir ao reduzir
um pouco o ar-condicionado
no auge da demanda.
Também estamos vendo as
vantagens dos diodos emissores de luz (LEDs) como substitutos das velhas
lâmpadas incandescentes (e novas fluorescentes, que economizam mais
energia). Enquanto as lâmpadas incandescentes geram calor para produzir
luz, os LEDs a
criam com movimentos de elétrons em chips de silício. A luz é
mais natural, pode mudar de
cor, pode ser mais precisa e pode ser atenuada ou intensificada sem
dificuldade.
A próxima década verá as cidades substituírem sua iluminação pública por LEDs, que
duram anos a mais e podem reduzir sua intensidade de forma
inteligente quando não houver
tráfego, minimizando o uso de
energia e a poluição luminosa.
Já que 20% da demanda mundial de eletricidade se relaciona
à iluminação, a capacidade dos
LEDs para reduzir em 75% o
uso de energia pode ter efeito
dramático sobre as emissões de
dióxido de carbono.
As fontes de energia também
podem mudar, especialmente
no que tange a aparelhos de pequeno porte. Energia gratuita
pode ser capturada de fontes
como o calor do corpo ou ondas
de rádio de torres de telefonia
móvel e Wi-Fi. Girar o controlador para ler um e-mail em um
BlackBerry gerará energia suficiente para aumentar a duração da bateria.
CHRIS NUTTALL, correspondente de tecnologia
5 - A informação tem valor
Dogma do conteúdo gratuito perde força
DO "FINANCIAL TIMES"
Se existe uma ortodoxia dos
últimos dez anos que o setor de
mídia tem todos os motivos para amaldiçoar é aquela que surgiu em 1984, quando Stewart
Brand declarou, em palestra na
Hackers" Conference, que "a informação deseja ser livre".
As pessoas ainda discordam
sobre o que ele quis dizer, mas a
frase oferece uma capa de respeitabilidade intelectual a diversas coisas, da pirataria de
música à ideia de que não pagar
pelo acesso a notícias é traço
imutável da cultura da web.
Quando as pessoas ainda falavam em "via expressa da informação", desdenhavam a
ideia de que a estrada proposta
precisasse de pedágios. A publicidade on-line supostamente
cobriria os custos incorridos
pelos donos da informação.
Mas o conteúdo grátis para
todos erodiu os modelos de negócios das companhias de mídia e acarreta o risco de sobrecarga das redes de informação.
Agora, os proprietários de
conteúdo, de editoras de revistas a emissoras de TV imaginam por que teriam depositado
toda a sua confiança em uma só
fonte de receita, a publicidade.
É hora de relermos a citação
completa de Brand: "Por um lado, a informação deseja ser dispendiosa, porque é muito valiosa. Por outro lado, ela deseja ser
livre [ou gratuita], porque o
custo de obtê-la não para de
cair. Por isso, temos essas duas
tendências em permanente
combate".
Na primeira década digital do
novo século, esse combate muitas vezes não aconteceu, mas
agora o lema de que "a informação quer ser dispendiosa" vem
ganhando força. As editoras
pressionaram a Amazon.com a
elevar os preços dos livros eletrônicos. A "economia dos aplicativos" criada pela Apple está
permitindo que até mesmo sites gratuitos cobrem pelo acesso via iPods e iPads, e o "New
York Times" está seguindo o
exemplo de publicações especializadas como o "Financial
Times" e o "Wall Street Journal" de cobrar pelo acesso on-line às suas notícias.
Para os consumidores que
desfrutavam de todo esse conteúdo gratuitamente, isso parece ameaçador. Por outro lado,
acabamos de passar uma década nos fartando de conteúdo
excessivo e de muito baixo valor nutritivo. Talvez o conteúdo
pago se prove mais denso.
Quanto à máxima de Brand, é
melhor que tentemos uma nova, na próxima década: o conteúdo quer ser valioso.
ANDREW EDGECLIFFE-JOHNSON, editor de mídia nos Estados Unidos
6 - Ganhando com o fracasso
Tentativa e erro viram técnica de negócios
DO "FINANCIAL TIMES"
O fracasso sempre foi parte
fundamental da economia de
mercado. Se os mercados funcionam, fazem-no porque novas ideias são constantemente
tentadas. A maioria fracassa. As
que encontram o sucesso podem causar o fracasso de ideias
mais antigas.
Nos Estados Unidos, cerca de
10% das empresas existentes
desaparecem a cada ano. Trata-se de percepção desconfortável
-mas tentativa e erro podem
enfim estar assumindo o papel
que merecem como técnica de
negócios, em lugar de serem
vistos como um segredinho sujo do capitalismo.
Existem alguns sinais positivos. Stefan Thomke, da escola
de administração de empresas
da Universidade Harvard, argumenta que os avanços na
computação tornaram possível
conduzir experiências com novos produtos sem maiores dificuldades, com a tentativa de
muitas ideias e a expectativa de
grande número de fracassos.
Agora é fácil, por exemplo,
experimentar mudanças no layout de um site, mostrando diferentes versões a diferentes
usuários e acompanhando as
reações em tempo real.
O Google, enquanto isso, costuma lançar seus produtos novos com o rótulo "beta", ou experimental. E superastros do
mundo acadêmico, tais como
Stephen Levitt, o coautor de
"Freakonomics", vêm fazendo
palestras a executivos sobre o
papel da experimentação no
mundo dos negócios.
Também estamos começando a aprender mais sobre a psicologia de aprender
com os erros. Richard Thaler, o economista comportamental que
criou a Nudge, cunhou a frase
"edição hedonista" para descrever nosso hábito de combinar pequenas
derrotas a grandes vitórias, a fim de mascarar
as dores das derrotas.
Esconder os fracassos é humano, mas também significa
não aprender com eles. Thaler
e seus colegas chegaram a estudar o comportamento dos participantes em
game shows televisivos. Ele constatou que as
pessoas que faziam escolhas
desafortunadas começavam a
aceitar riscos insensatos, o que
muitas vezes resultava em
agravar perdas.
A crise nos conscientizou de
que um sistema incapaz de tolerar certa dose de fracasso é
muito perigoso. A ideia de que
uma instituição fosse "grande
demais para falir" costumava
parecer reconfortante. Não é
mais esse o caso.
TIM HARFORD, colunista e autor do livro "Undercover Economist"
7 - A cobiça não é tão boa
Obsessão pelo lucro pode quebrar empresas
DO "FINANCIAL TIMES"
Nos anos 80, o economista Al
Rapaport capturou o espírito
da era ao desenvolver um novo
objetivo para as empresas: a
maximização de valor para os
acionistas. A medida das realizações de um executivo seria o
retorno total conquistado pelos
acionistas em seu mandato.
Bill Allen, o lendário líder da
Boeing entre 1945 e 1968, descreveu o espírito de sua companhia assim: "Beber, respirar e
dormir o mundo da aeronáutica". Por volta de 1998, o novo
presidente da companhia, Phil
Condit, dizia: "Vamos avançar
para um ambiente cuja base é o
valor e no qual o custo unitário,
o retorno sobre o investimento
e os retornos dos acionistas serão as medidas sob as quais seremos avaliados".
Isso aconteceu em múltiplos
setores. Quando John Reed e
Sandy Weill, que eram copresidentes do Citigroup no final
dos anos 90, descreveram os
propósitos do conglomerado
recém-criado, Reed, banqueiro
tradicionalista, declarou que "o
modelo que tenho em mente é
o de uma companhia global de
serviços ao consumidor, que
ajude a classe média com algo
em que não foi bem servida".
Weill, mais sintonizado no
espírito do tempo, interrompeu: "Meu objetivo é aumentar
o valor para os acionistas".
Tudo isso terminaria mal.
Sob Allen, a Boeing conquistou
a liderança do setor aeronáutico; sob Condit, a empresa não
só perdeu sua liderança como
se envolveu em escândalos.
Weill forçou a saída de Reed,
mas se envolveu em problemas
de reputação que abalaram a
empresa. Em 2008, quase todo
o valor do Citigroup para os
acionistas foi destruído.
A Enron, paradigma do novo
modelo, quebrou de forma espetacular em 2001. Em 2008, o
colapso do Lehman Brothers,
banco cujo foco obsessivo era o
lucro, quase derrubou o sistema financeiro mundial.
Essas duas quebras abriram e
encerrarão a década com uma
lição: concentração obsessiva
nos lucros faz com que uma
empresa corra o risco de perder
a oportunidade de lucrar.
JOHN KAY, colunista
8 - Livrai-nos das contas
Internet agora muda a forma de lojas físicas
DO "FINANCIAL TIMES"
Da mesma forma que a chegada das prateleiras que permitiam self-service mudou a disposição física das lojas nos cem
últimos anos, as compras on-line o farão no novo século. Já vimos o comércio via internet se
tornar concorrente sério das
lojas físicas. Agora ele fará com
que mudem de forma.
No Walmart, por exemplo,
mais de 40% dos pedidos pelo
site da cadeia de varejo nos
EUA são enviados a uma loja local da rede para retirada, porque os clientes preferem evitar
os custos e a incerteza de horários das entregas domiciliares.
A empresa, como resposta,
está testando opções "drive-through" de retirada e alterando suas unidades de forma a
instalar balcões de retirada. No
Reino Unido, a rede de supermercados Tesco adotou arranjo semelhante (mas por enquanto sem "drive-through").
Em uma loja piloto perto de
Chicago, chamada MyGofer, a
Sears Holdings foi além, e 80%
do espaço serve como armazém
de estoque, com um quinto da
área reservada a clientes que
retiram compras ou usam terminais de computador para pedir o que desejam da loja.
Eis outra variante: o Kmart
também está tentando persuadir outras redes de varejo a usar
suas lojas como ponto central
para retirada de pedidos feitos
on-line. Alguns analistas do setor de varejo especulam que até
mesmo a Amazon, que só opera
on-line, poderia um dia estabelecer pontos de retirada.
A web também mudará os
produtos presentes nas prateleiras. Um cliente que vá a uma
loja com seu celular inteligente
pode obter preços comparativos de lojas rivais -a menos
que o produto em questão só
esteja à venda naquela loja específica.
Assim, haverá mais pressão
da parte do varejo por acordos
seletivos com marcas líderes
-ou pelo desenvolvimento de
mais produtos com marca própria, em todas as categorias.
JONATHAN BIRCHAIL, correspondente de varejo nos Estados Unidos
9 - Fazer mais com menos
Concorrência força ganho de eficiência
DO "FINANCIAL TIMES"
O triunfo inevitável dos
Brics (Brasil, Rússia, Índia
e China) se tornou quase
um lugar-comum no mundo empresarial. Mesmo
que alguns ovos exóticos
estejam sendo contados
antes que sejam chocados,
a ameaça que representam
está mudando o modo como as empresas pensam.
Com a concorrência, as
empresas hoje dominantes terão de ser mais eficientes. É por isso que, ao
longo dos próximos anos,
será comum ouvir variações do seguinte lema: fazer mais com menos.
Outro fator de estímulo
será a sustentabilidade
ambiental: produzir mais
usando menos recursos.
Mas uma demanda permanente para que produzamos mais com menos
pode se revelar prejudicial
e resultar em um mundo
de trabalho permanente,
que por sua vez poderia
afetar a qualidade do trabalho realizado.
O ímpeto de fazer mais
pode conter as sementes
de sua própria derrota.
STEFAN STERN, repórter de gestão
10 - O hedge, agora pessoal
Temidas, inovações financeiras podem estimular o crescimento
DO "FINANCIAL TIMES"
Inovação financeira se tornou uma expressão obscena
nos últimos meses, devido ao
papel dos títulos complexos
-pacotes de hipotecas e outras
formas de passivo- na crise.
Mas o segredo sujo é que, se
as economias ocidentais desejam se recuperar devidamente,
as verbas terão de vir dos mercados. E a concorrência por dinheiro será
tamanha que alguns projetos devem se ver forçados a criar inovações a
fim de
atrair investidores.
Uma dessas inovações é a
transferência de risco. Transação que vinha ganhando popularidade antes da crise, ela agora está de volta. Robert Schiller,
professor de economia na Universidade Yale, publicou em
2003 um livro no qual propunha novos instrumentos financeiros para indivíduos que permitiriam que se protegessem
contra os riscos que correm
-fizessem hedge- por contratos negociados em Bolsa.
Se você, por exemplo, estiver
preocupado com a possibilidade de que a carreira que escolheu não vá oferecer o salário
que planeja ter dentro de
dez anos, poderia criar
um contrato sob o qual
receberia certa quantia
caso sua renda naquela data for inferior a determinado patamar.
Os investidores se interessarão em apostar nesse tipo de
coisa, diz Schiller. De fato, mercados como esses estão sendo
criados para grandes organizações. Há, por exemplo, o mercado futuro das nevascas, sob o
qual cidades ou empresas recebem dinheiro caso as tempestades de neve sejam piores que o
esperado. No mês passado, um
grupo de bancos, fundos de
pensão e seguradoras anunciou
que estava desenvolvendo um
novo mercado para longevidade -o risco de que as pessoas
vivam mais que o esperado.
Será que essa ideia não parece terrível, tendo em vista a situação em que os contratos de
risco deixaram os bancos no
passado recente? Schiller argumenta que a crise de crédito
simplesmente demonstra que
"muito mais trabalho precisa
ser feito para democratizar as
finanças. A crise ocorreu porque os princípios de gestão de
risco financeiro não estavam
sendo aplicados à mais ampla
população possível".
Ou seja, o risco é para todos:
empresas, governos e cidadãos
agora podem rolar os dados
nesse negócio arriscado.
JENNIFER HUGHES, correspondente sênior de mercados